Magistral
5 estrellas
( sol2070.in/2025/06/livro-nem-mesmo-os-mortos/ )
Um magistral e surreal romance latino-americano histórico: Nem Mesmo os Mortos (Ni Siquiera Los Muertos, 2020, 480 pgs), de Juan Gómez Bárcena.
Bárcena na verdade é um aclamado autor espanhol, mas a estória se passa no México, abrangendo uma busca delirante desde o século 16 até os EUA de Trump. O protagonista Juan, ex-soldado da coroa, assume a responsabilidade real de encontrar e neutralizar o indígena subversivo Juan.
É como se Cormac McCarthy tivesse expandido um conto de doppelganger borgesiano em um grande romance de apocalipse colonial, com uma boa homenagem também ao 2666 de Roberto Bolaño. Então não teria como deixar de me arrebatar.
O livro também vai bem além dessas influências, com a qualidade de um pesadelo hipnótico, e alguns respiros essenciais. Ao longo da busca, os cenários vão se transformando historicamente, assim como o linguajar das pessoas, acompanhando os séculos, em transições …
( sol2070.in/2025/06/livro-nem-mesmo-os-mortos/ )
Um magistral e surreal romance latino-americano histórico: Nem Mesmo os Mortos (Ni Siquiera Los Muertos, 2020, 480 pgs), de Juan Gómez Bárcena.
Bárcena na verdade é um aclamado autor espanhol, mas a estória se passa no México, abrangendo uma busca delirante desde o século 16 até os EUA de Trump. O protagonista Juan, ex-soldado da coroa, assume a responsabilidade real de encontrar e neutralizar o indígena subversivo Juan.
É como se Cormac McCarthy tivesse expandido um conto de doppelganger borgesiano em um grande romance de apocalipse colonial, com uma boa homenagem também ao 2666 de Roberto Bolaño. Então não teria como deixar de me arrebatar.
O livro também vai bem além dessas influências, com a qualidade de um pesadelo hipnótico, e alguns respiros essenciais. Ao longo da busca, os cenários vão se transformando historicamente, assim como o linguajar das pessoas, acompanhando os séculos, em transições integradas, sem brusquidão, como as dos sonhos. O perseguidor parece continuar a mesma pessoa, apesar das sugestões de que simboliza um anseio maior. O perseguido vai se transformando. Indígena convertido, pregador herege que aponta a hipocrisia institucional, messias, revolucionário etc.
Versa em prosa formidável (o autor também é poeta) sobre massacre colonial, religião — nas faces horrendas, fanáticas e também mais espontâneas do cristianismo — e política, sendo ao mesmo tempo uma excursão interior pela devastação, pelo “coração das trevas” (o clássico de Joseph Conrad é outra homenagem clara, assim como, aparentemente, a adaptação cinematográfica de Coppola, Apocalypse Now).
Fiquei contente por ter a cópia impressa, na bela edição da editora DBA, já que é o tipo de livro para reler, com muitas camadas. Juan está perambulando num pós-morte alucinatório? É a corporificação dos anseios essenciais de um povo eternamente pisoteado, buscando uma imagem idealizada de si? Algum anjo caído vagando pelas ruínas do tempo?
Nem importa tanto esse tipo de explicação. Há uma grandeza épica que encanta com aquela estética de um sublime maior e bestial, que reflete bastante nosso mundo.
O título vem de uma citação do filósofo cultural Walter Benjamin:
O Messias não vem apenas como Redentor, mas também como o vencedor do Anticristo. Somente o historiador perpassado pela convicção de que nem mesmo os mortos estarão a salvo do inimigo, caso este vença, tem o direito de acender no passado a centelha da esperança. E esse inimigo não cessou de vencer.
É um resumo temático do romance, levando em conta que Benjamim está falando de opressão e libertação históricas.