Engraçado e subversivo
5 estrellas
( sol2070.in/2025/12/sobre-os-ossos-dos-mortos/ )
Sobre os Ossos dos Mortos (2019, 256 pgs), da polonesa Olga Tokarczuk, é um romance intimista cativante que mergulha na vida de uma anti-heroína subversiva incomum: Janina, uma idosa amante da natureza vivendo em relativo isolamento em uma área remota.
Ela sempre bate de frente com o senso comum das outras pessoas, se opondo apaixonadamente à matança de animais selvagens. Caçadores começam a aparecer mortos e ela tem certeza de que o mundo natural está se vingando dos homens.
Entre as pessoas da vila e vizinhos, ela é vista como a “velha louca”. Um dos feitos da obra é inverter o objeto de estranheza e retratar o mundo comum, com seus bizarros e bárbaros costumes, com os olhos dela. Aos poucos, todas suas excentricidades vão se tornando aconchegantes até.
Não falta humor. O contraste de suas atitudes e pensamentos com os das outras …
( sol2070.in/2025/12/sobre-os-ossos-dos-mortos/ )
Sobre os Ossos dos Mortos (2019, 256 pgs), da polonesa Olga Tokarczuk, é um romance intimista cativante que mergulha na vida de uma anti-heroína subversiva incomum: Janina, uma idosa amante da natureza vivendo em relativo isolamento em uma área remota.
Ela sempre bate de frente com o senso comum das outras pessoas, se opondo apaixonadamente à matança de animais selvagens. Caçadores começam a aparecer mortos e ela tem certeza de que o mundo natural está se vingando dos homens.
Entre as pessoas da vila e vizinhos, ela é vista como a “velha louca”. Um dos feitos da obra é inverter o objeto de estranheza e retratar o mundo comum, com seus bizarros e bárbaros costumes, com os olhos dela. Aos poucos, todas suas excentricidades vão se tornando aconchegantes até.
Não falta humor. O contraste de suas atitudes e pensamentos com os das outras pessoas cria uma atmosfera cômica quase constante, que oscila do sutil ao hilário.
Achei especialmente interessante a conexão entre astrologia — algo que não costuma me despertar o menor interesse — e a visão de mundo interdependente de quem não deixa de se maravilhar com o mundo natural. Janina estuda astrologia como uma disciplina transcendente, reconhecendo que, no cosmos, não há como uma coisa não influenciar a outra, assim como na natureza.
Apesar de suas peculiaridades, ela não está sozinha. Tem suas poucas e preciosas amizades. Entre elas, um jovem dedicado a traduzir o visionário poeta e pintor William Blake, projeto puramente artístico em que ela — ex-professora de inglês — costuma ajudar. Cada capítulo vem com uma epígrafe de Blake, em sincronia com os temas existenciais e de misticismo natural da narrativa.
A trama das mortes vai se desenrolando devagar a ponto de quase nos desligarmos dela, havendo muitas vezes mais ênfase nas reflexões e cotidiano de Janina. Entretanto, esse mistério terá sim grande importância.
Ganhadora do Nobel de literatura em 2019, Olga também retrata a natureza como força adversa e hostil, especialmente o cruel inverno polonês. Mesmo assim, é daquelas estórias especialmente inspiradoras cujo cenário é a relação com a natureza.
No livro, outras pessoas sempre ridicularizam Janina por ela “gostar mais de animais do que pessoas”. Isso me deixou pensando, me identifiquei. Também sou ligeiramente antissocial e adoro animais, natureza etc.
Imagino que o foco da crítica desse senso comum não é sobre “preferir animais a pessoas”, porque quem ama animais não é contra humanos, em geral. O pecado percebido é dar importância demais a animais e outras formas de vida, sendo que os interesses das pessoas seriam obviamente mais importantes. Ou seja, equalizar humanos com outras formas de vida é praticamente uma blasfêmia conforme essa percepção ordinária. A questão é que exatamente esse senso está por trás da atual catástrofe ambiental, em que humanos se sentem no direito superior de explorar todo o restante.
Outra questão relacionada é a crítica a pessoas que têm animal de estimação como um suposto substituto a filhas e filhos, como se elas fossem incapazes de cuidar de uma criança e, por isso, preferissem pets. Como, por exemplo, no preconceito contra “cat ladies”. Oculto aí há um conservadorismo extremo. Porque isso pressupõe um modelo único de desenvolvimento humano, em que é preciso constituir família (de preferência, tradicional), criar crianças etc.
E quem não quiser fazer isso? Não pode amar um animal sem ser patologizada?
Em Sobre os Ossos dos Mortos, a protagonista perdeu suas cadelas de forma traumática. E, apesar de essa digressão sobre pets não aparecer na estória explicitamente, esse é um dos motivos por que Janina é vista como uma “velha louca”.
Li o romance no clube Contracapa.